Como ficam as minhas contas se deixar o meu emprego?

Quando se vê uma possibilidade fica impossível voltar atrás e esquecer. Nas minhas férias de 3 semanas em agosto, eu vi o que pode ser a minha vida. Nos últimos meses, provei a mim mesma que consigo transformar o hobby num trabalho que paga contas. E agora, depois deste momento Eureka, não estou a conseguir gostar do que estou a fazer no meu trabalho.

Até há uns tempos fazia com entusiasmo ambos os “trabalhos” e acreditava mesmo ter o melhor de dois mundos – tipo Hannah Montana. Agora, estar insatisfeita numa das áreas está a afetar a minha disposição em tudo o resto. Sei que nem estou a 100% no trabalho nem me estou a conseguir concentrar e dedicar à parte da escrita.

Tenho feito muitas reflexões, sobre se faz sentido sair já e se o que estou a fazer está alinhado com os meus valores, já pesquisei se há um melhor dia ou mês para entregar a carta de despedimento e também já reuni informação sobre os apoios e mecanismos existentes para abrir empresas, caso escolha seguir por essa via.

Não estava propriamente com pressa de nada, até há umas semanas. Aliás, sabia que quanto mais tempo estiver a poupar +60%, mais perto fico do meu objetivo inicial: FIRE em 2030. No entanto… se posso hoje viver a vida que idealizo, porquê esperar 5 ou 6 anos para o fazer?

A decisão está tomada. Estou decidida a arriscar nesta nova aventura, mas obviamente (ou não seria eu) de forma responsável, organizada e planeada.

As despesas

1000€ é um número que reflete as minhas despesas atuais e o que planeio para o meu FIRE. Esse valor inclui viagens, jantares e outras despesas não-obrigatórias. Numa situação de necessidade, em que os rendimentos são reduzidos ou incertos, o que poderia cortar e em que contas não poderia falhar?

A minha primeira análise foi essa mesma: listar todas as despesas obrigatórias e/ou que não quero eliminar. Despesas da casa, alimentação, saúde, desporto e custos de deslocação. A conclusão: 550€.

DescriçãoValor mensal
Renda168€
Eletricidade40€
Água15€
TV+Net29€
Combustível + Passe?80€
Supermercado125€
Livros7€
Telemóvel25€
Desporto30€
Seguro de saúde30€
Total549€

Preciso, então, de 550€ para pagar as despesas correntes mensais. Faz sentido manter apenas as despesas de “sobrevivência”, se necessário, para me permitir arriscar nesta aventura? Neste momento, com toda a certeza, sim.

Há outras despesas, pontuais ou periódicas mas com intervalos mais espaçados, que terão de ser pagas também:

  • Computador (quando me despedir, ~500€?)
  • Seguro, IUC e revisões carro (1x por ano, em abril, ~500€)
  • Saúde (quando necessário, ~500€)
  • Outros dos quais provavelmente não me estou a lembrar (-500€)

Anualmente, se ativar o modo emergência/sobrevivência, preciso então de cerca de 8 100€ por ano. Isto coloca o meu valor de lean FIRE nos 202 500€.

Para simplificar, vou considerar 675€/mês.

A almofadinha

Tenho, atualmente, 10 812,40€ na Trade Republic, mas quero aumentar esse valor para 12 000€. Este valor inclui o meu fundo de emergência para situações pessoais, mas também os lucros dos livros, sendo que parte terá de ser reinvestida em próximos lançamentos.

Num cenário em que não ganho um único cêntimo e que uso esses 12 000€ apenas para as despesas pessoais, o saldo da conta fica assim:

MêsValor na conta (€)
112 000
210 860
310 217
49 571
58 924
68 275
77 625
86 972
96 317
105 661
115 002
124 342
133 679
143 015
152 349
161 681
171 011
18339

Isto assumindo que os juros pagos se mantêm nos 3,5% e que retiro mensalmente 675€, com excepção do primeiro mês, em que retiro 1175€ para pagar o tal computador.

Esta almofadinha salvaguarda o pior dos cenários e é, na verdade, bastante irrealista. Mesmo que decidisse não fazer nada para gerar dinheiro, de todo, nos próximos meses receberei royalties da venda dos livros, o blog mantém-se ativo e o que está construído continua a existir e a gerar rendimentos. Mas é bom saber que, se tudo correr mesmo muito mal, tenho bastante tempo para traçar um plano B.

Os rendimentos

Estou aqui num mix de flamingo e barista, em que planeio trabalhar para cobrir as minhas despesas mas estou disposta a mexer nos investimentos, se necessário.

O histórico mais recente, desde que comecei a ter rendimentos dos meus livros, mostra-me que é possível pagar as minhas despesas com os rendimentos desta minha nova atividade. No entanto, também me mostra que é altamente inconstante.

O balanço médio mensal é de 969€, no entanto tive meses com saldo positivo superior a 7000€ (lançamento do segundo livro, em janeiro de 2024) e outros com prejuízo superior a 3000€ (despesas do lançamento do segundo livro, em outubro de 2023).

Estes valores foram conseguidos trabalhando neste projeto no final de cada dia de trabalho e fins de semana. Tenho a certeza que, com mais tempo para me dedicar a ele, posso aumentar este “saldo”.

O escudo de retornos

O escudo de retornos é uma das melhores estratégias para aumentar a segurança do portefólio FIRE, e é também uma excelente forma de tornar mais robustas as finanças neste formato de trabalho por conta própria.

Para contextualizar: tenho vários investimentos em ativos acumulativos e/ou que não pagam dividendos ou juros nos quais apenas quero mexer quando chegar ao valor FIRE. Claro que num caso de necessidade posso utilizá-los, mas não é esse o plano.

Tenho também ativos que me pagam juros e dividendos periodicamente. Até ao momento, todos esses juros e dividendos estão a ser reinvestidos nos mesmos ativos, mas isso pode mudar daqui em diante.

Uma vez que esses ativos são taxados no ano em que se recebem, não há sequer um custo adicional em impostos. Já iria pagar de qualquer forma, portanto, a precisar de dinheiro extra, esta é mais uma fonte que posso utilizar.

Em 2023 recebi 1465€ de juros e dividendos. Uma média de 122€/mês.

Em 2024, este valor será superior, uma vez que aumentei a minha exposição a ativos que pagam juros e dividendos:

  • P2P assumo que será semelhante, porque o valor investido não variou muito (1300€)
  • ETF aumentou consideravelmente, pelo reforço dos ETF de obrigações, distributivos (284€ até ao momento, mais 143€ do que em 2023)
  • Dinheiro parado passou a render 4, depois 3,75 e agora 3,5% na Trade Republic (133€ até ao momento)

Em 2024, este valor poderá então rondar os 145€/mês. Em 2025 espero receber mais até, porque planeio reforçar estes e outros ETF distributivos nos próximos investimentos.

Para concluir

Se continuar a fazer a mesma renda extra dos últimos quase dois anos, agora dedicando-me a tempo inteiro, cubro praticamente todas as minhas despesas. Como é algo super incerto e em alguns meses o lucro é enorme e noutros tenho prejuízo, tenho juros e dividendos a cair regularmente na conta e uma almofadinha que posso utilizar sempre que necessário.

Nas despesas, posso gastar os 1000€ planeados, se assim os rendimentos o permitirem, ou ativar o modo emergência, com o qual consigo baixar as despesas mensais para 675€.

Fui fazendo as contas à medida que fui escrevendo. Fui ficando mais tranquila com o avanço da análise. Preciso de segurança e tenho segurança.

Nos piores cenários estou OK, nos melhores cenários até tenho dinheiro de sobra para continuar a investir, nesta fase de semi-reforma.

Tenho tudo o que preciso para dar o passo, só me falta mesmo fazê-lo 👀🔥

Disclaimer: A autora do blog Dama de Ouros não fornece recomendações ou aconselhamento financeiro. Todo o conteúdo presente neste blog tem apenas fins informativos e educacionais, sendo qualquer decisão de investimento da responsabilidade do leitor.

22 thoughts on “Como ficam as minhas contas se deixar o meu emprego?

  1. Vaaaai! Visto de ‘fora’ tudo faz sentido e bem sei que quando somos nós é mais difícil tomar a decisão. Pensa que se tudo correr mal podes voltar a trabalhar por conta de outrem (em part-time por exemplo) que é a situação em que estás neste momento. Tenho a certeza que o conseguirias facilmente se precisasses.

    És uma inspiração!

    1. Sim, verdade! O pior dos cenários é exatamente o cenário em que estou, a trabalhar eheh
      Eu sei que racionalmente não há nada para decidir, até porque não tenho problemas nenhuns em trabalhar seja lá em que for, mas pronto, é o que é.

      Ver estes números dá-me mais confiança para avançar 🙏
      Obrigada pelo apoio!

  2. Adoro e fico impressionada com o detalhe analítico de análise que fazes! Eu diria que não há muito mais a pensar e que a tua decisão está tomada. Tens a coisa dominada ao nível racional mas ainda meio “insegura” ao nível emocional. Ter medo nesta situações, misturado com entusiasmo (porque dá para ler entusiasmo na tua escrita) é bom sinal, e tu tens coragem para ver o que está do outro lado desse medo! É como diz o ditado “se der medo, vai com medo mesmo!” 😛 Força e parabéns!

    1. Acho que podia escrever todo um artigo sobre os medos que tenho ahah
      Deixo os dois principais, que me causam maior aperto: 1) ter medo que o hobby deixe de ser fixe quando passar a ser o verdadeiro trabalho, com a obrigação de pagar contas em vez de ser só um extra bom; 2) a ansiedade de dizer que vou sair (tenho graves dificuldades em dizer não e estou nesta empresa desde que saí da faculdade, são muitos anos e muito crescimento aqui)

      Deixei isso de fora e estou a tentar nem pensar no assunto porque com esta análise queria tranquilizar a parte racional, sabendo que estou OK nos próximos muitos meses mesmo que tudo corra muito mal.
      Vamos com medo, mas vamos! Beijinhos e obrigada 💜

      1. Percebo completamente a parte de ter dificuldade a dizer não, sou igual! Outra coisa que me esqueci de dizer ontem, é que tu sendo engenheira, mesmo no pior dos cenários em que corre tudo mal, facilmente consegues arranjar emprego! 🙂

        1. Verdade!
          E acho que há uma vantagem ainda maior! Com despesas tão baixas, qualquer emprego serve perfeitamente para as cobrir. Isso significa que não tenho, sequer, de procurar trabalho em engenharia, se tiver de ter um 🙂

        1. Olá!

          Não vejo vantagem nenhuma nisso, porque não há grande coisa que precise de testar:
          – prefiro ter o dia todo para escrever em vez de ter de o fazer quando estou cansada do trabalho? De certeza
          – consigo pagar as minhas contas com esta atividade ou desenrascar de outra forma? De certeza

          Nestes dois pontos tenho todas as certezas do mundo eheh
          A única vantagem em prolongar o trabalho por conta de outrém seria consolidar ainda mais a minha posição financeira, para ter uma almofada ainda maior. Mas isso também não conseguiria com a licença sem vencimento, apenas continuando neste registo e a receber o salário também.

  3. Olá fire.pt / Dama de Ouros!

    Começo por dizer que és uma inspiração e fico feliz por teres a possibilidade de hoje poderes ponderar e, quem sabe, tomar uma decisão destas.
    Eu também estive aí o ano passado e optei por me despedir. Na altura, a minha empresa sugeriu que tirasse apenas uma licença sem vencimento, na esperança que eu me arrependesse. Apesar de eu estar convicta na minha decisão, eu aceitei porque também não tinha nada a perder. Acebei por me despedir de vez no final do ano passado, porque não me fazia sentido continuar a alimentar uma esperança que não se ia concretizar e, ao mesmo tempo, fazia-me sentir presa. Tive meses dedicada aos meus hobbies (investimentos) e ao meu projeto de literacia financeira. Tenho a segurança de o poder fazer por vários anos sem ir à falência e, para mim, isso é liberdade. O que fazemos hoje pode não ser o que faremos amanhã mas termos essa liberdade de escolha é um privilégio que sei que muitos não têm mas que muitos desconhecem ter. É mais fácil aceitar o que está a nossa a frente e o que vivemos todos os dias, do que decidir mudar de rumo.
    Este ano resolvi abraçar mais uma missão e comecei a dar aulas de TIC numa escola, é um novo desafio, faz-me sair da minha área de conforto e faz-me sentir útil para a sociedade. Se vou fazer o mesmo para o ano? Não sei… será uma experiência, um part-time que não me ocupa muito porque são apenas algumas horas de aulas e umas tantas outras de preparação mas neste momento é o que desejo fazer.
    O mesmo acontecerá contigo e não tenhas receio de o hobbie passar a ser uma coisa chata, porque encontrarás certamente outras coisas para fazer. Tu pareces ser uma pessoa tão focada e tão organizada que acho que não te vais perder num mundo sem horários obrigatórios (confesso que eu não sou tanto assim). No limite, também sabes que consegues encontrar outro emprego na tua área atual e essa segurança é ouro.

    Obrigada por partilhares estes teus pensamentos com o mundo porque acredito que podes inspirar muitas pessoas.
    Boa sorte com “a decisão” e, se for o caso, bem-vinda à pré-reforma!

    1. Olá Helena!

      Eu sinto o mesmo em relação à licença sem vencimento. Seria apenas adiar e dar esperanças a algo que nunca iria acontecer, porque a minha vontade é mesmo deixar esse tipo de trabalho.
      Não tenho nada contra trabalhar. Aliás, trabalho bastante! Gostaria apenas de experimentar coisas novas. Essa tua experiência como professora parece-me algo que adoraria também viver, nem que fosse para dizer “não gostei muito”. Esta liberdade de ter as despesas asseguradas durante muitos anos permite precisamente experimentar o que fizer sentido em cada momento e trocar assim que deixe de nos satisfazer.
      Ansiosa por me juntar ao teu clube de semi-reforma! Eheh

      Muito obrigada pela partilha e pelas palavras de encorajamento 💜

      1. Tens ai um bom negocio. Mas a medio prazo talvez tenhas que considerar outro plano a esse nivel.

        Acho que deixares o trabalho de engenheira agora pode ser interessante, podes sempre voltar, e podes até descobrir depois de deixar que até gostas e voltar com entusiasmo, ou então o teu rendimento explode com o online.

        1. Olá!

          A médio prazo a ideia é atingir o FIRE, portanto quanto mais tempo passar assim, menos importante é o que vou fazer a seguir, porque estou cada vez mais perto da independência financeira.
          Se eu deixar este emprego que me ocupa ~50h por semana tenho tempo de sobra para pensar em novas soluções, acredito que vai correr bem 🙏 obrigada!

  4. Viva, não sou muito de comentar, mas tento seguir o seu blog na medida do possível. Sem filhos e com a renda baixa senão for agora, mais tarde será sempre mais complicado, se vier a ter filhos claro. Acabei por me dedicar muito ao trabalho antes dos filhos e nunca “gozei” a vida quando não tinha grandes responsabilidades, depois dos filhos, o dinheiro parece que desaparece. Não se arrependa como eu (de ser workaholic, não dos filhos). Avance, no pior caso com a sua formação arranja emprego facilmente. Boa sorte.

    1. Olá Miguel!

      É verdade, estou na posição perfeita para arriscar. Não tenho grandes responsabilidades, o valor que preciso de fazer com trabalho ativo é menor que o salário mínimo… Na verdade se me fartar ou se as coisas não correrem bem, facilmente arranjo trabalho para voltar “ao ativo”.

      Obrigada pelas palavras de encorajamento!

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