Impostos e Independência Financeira

Tenho duas certezas na vida: vou atingir o FIRE e vou pagar impostos a vida toda 😜

A regra dos 4%, com origem no Trinity Study, não tem em consideração os impostos que serão pagos durante a fase da reforma antecipada porque:

  1. O estudo foi feito nos EUA e cada país tem as suas regras de tributação
  2. As leis estão em constante alteração, por isso as taxas que se aplicam hoje podem ser diferentes das que estarão em vigor daqui a 20 ou 30 anos

Mas então como é que podemos conjugar estas duas variáveis? Se o valor FIRE calculado pela regra dos 4% é bruto, como adaptar a estratégia para ter a certeza que os impostos não nos estragam o plano?

Regra dos 72

É sempre importante começar este tema a relembrar que os impostos que pagamos são única exclusivamente aplicados às mais valias, nunca ao capital investido.

O meu plano contempla utilizar juros, dividendos e mais-valias da venda de ETFs como fonte de rendimento no FIRE. Assim, se pretendo ter 1000 € líquidos por mês, é errado assumir que os impostos a pagar serão 28%*1000 = 280 €, porque nestes 1000 € estarão incluídos tanto as mais valias como as poupanças que investi ao longo dos anos.

Este cálculo direto só faz sentido se 100% dos rendimentos forem dividendos e juros, por exemplo. Nesse caso, todos os nossos rendimentos são mais-valias e o cálculo é simplificado.

Mas então como sabemos o valor de mais valias que teremos daqui a 10 ou 20 anos para podermos calcular os impostos? Não sabemos, porque o retorno não é garantido 🙃.

O que podemos fazer é estimar um valor com base na taxa de retorno que usamos nas restantes simulações da jornada para a independência financeira. No meu caso, a taxa de retorno considerada é de 7,3%.

A regra dos 72 é mais uma “rule of thumb” bastante útil em certas ocasiões: esta é uma delas.

Isto significa que um investimento com retorno anual médio de 7,3% demora cerca de 10 anos a duplicar.

Acontece que o meu prazo para atingir o FIRE é precisamente 10 anos, por isso vou assumir que, quando atingir o FIRE e começar a usar os meus investimentos como única fonte de rendimento, a distribuição será:

  • 50% valor poupado
  • 50% mais-valias obtidas

Isto é: dos 12.000 € que prevejo gastar anualmente, 6000€ serão capital poupado e 6000 € serão mais valias dos investimentos.

Apenas a última parcela, 6000 €, será sujeita a aplicação de impostos.

Englobar ou não englobar

A declaração de IRS tem várias categorias de rendimentos:

Enquanto que para os rendimentos do trabalho por conta de outrem o cálculo do imposto a pagar é feito automaticamente através dos valores tabelados, para os rendimentos provenientes dos investimentos o processo é diferente.

Fonte: Portal AT

Os rendimentos de venda de ações ou ETFs, juros de depósitos a prazo ou de P2P ou rendas de imóveis arrendados são taxados com uma taxa liberatória de 28%.

Ao contrário dos rendimentos da categoria A este valor é fixo, independentemente do valor dos rendimentos obtidos.

Atualmente, na nossa declaração de IRS temos a opção de englobar rendimentos: somar todos os rendimentos obtidos nos investimentos e no trabalho por conta de outrem e ser tributados à taxa tabelada da categoria A (ver acima).

A opção utilizada por defeito é a da tributação autónoma, o que significa que se quisermos englobar os rendimentos temos de assinalar essa opção nas diferentes categorias.

Nota importante: Se optarmos pelo englobamento, temos de incluir todos os rendimentos nesta forma (categorias E, F e G). Por exemplo: não é possível englobar juros de depósitos a prazo e não englobar rendimentos prediais. No caso de optar pelo englobamento, é necessário incluir informação relativamente às eventuais retenções na fonte já realizadas para que seja efetuado o devido acerto.

Voltemos ao meu exemplo, em que o rendimento coletável é de 6000 € (enquadra-se na primeira linha da tabela atual de tributação). As duas opções de tributação e respetivos impostos a pagar são:

  • Taxa liberatória: 6000 € * 28% = 1680 €
  • Englobamento: 6000 € * 14,5% = 870 €

Nesta situação, em que os únicos rendimentos são provenientes da venda de ETFs de acumulação porque já não há rendimentos de salários, compensa claramente englobar rendimentos.

Uma vez que apenas 6000 € são sujeitos a tributação ficamos sujeitos à taxa mínima aplicável, que neste momento é de 14,5%. Até aos 10.732 € de rendimento colectável compensa o englobamento, uma vez que a taxa é inferior à liberatória de 28%.

Como calcular o valor FIRE?

Segui a minha receita para o FIRE e determinei que o meu valor de independência é de 300.000 €, para poder gastar 12.000 € por ano durante toda a reforma (ajustados à inflação).

No entanto, como calculado anteriormente, há impostos que terão de ser pagos anualmente. Mesmo optimizando a fiscalidade optando pelo englobamento, esta despesa representa 7,25% (870€) do orçamento anual programado.

Os 1000 € brutos por mês são, neste cenário, 927,50 € líquidos.

Mas então como posso calcular o valor FIRE para ter a certeza que tenho 1000 € líquidos por mês?

Eu fiz as contas utilizando a ferramenta Solver do Excel. Esta permitiu calcular o valor bruto necessário para obter um valor líquido mensal de 1000 € na reforma.

Às taxas atuais, considerando englobamento por ser mais vantajoso, o valor bruto anual necessário é 12.938,02 €. Assim, o valor FIRE para garantir os 1000 € líquidos + valor a pagar em impostos é de 323.450 €.

Fiz a mesma simulação para vários valores de rendimento líquido mensal e a conclusão foi: quanto maior o valor mensal desejado na reforma, maior o impacto dos impostos no valor líquido final FIRE.

A diferença entre o valor FIRE calculado pela regra dos 4% e o da simulação com impostos é de “apenas” 23.450 € (7,8%) para reformas até 1000 € mas passa a 97.675 € (16,3%) para uma reforma de reforma de 2000 €.

Com base nas taxas atuais de tributação e todos os pressupostos previamente apresentados, atualizei o fator de multiplicação do FIRE de 25 para:

Valor líquido mensal desejadoFator de multiplicação FIRE
0 € – 1000 €26,95
1100 € – 1500 €28,25
1600 € – infinito29,07

Assim, se quero 1000 € líquidos por mês o meu valor FIRE é 323.400 € (1000 € * 12 meses * 26,95).

Se, por outro lado, pretender um rendimento de 1500 € o valor FIRE é 508.500 € (1500 € * 12 meses * 28,25).

Para obter 2000 € líquidos por mês o valor FIRE é 697.680 € (2000 € * 12 meses * 29,07).

Não esquecer que esta simulação é para um cenário em que o rendimento colectável é 50% dos rendimentos totais usados no FIRE. Se esta percentagem for diferente o valor sobre o qual se pagarão impostos será também diferente.

A minha conclusão

Todas as taxas são sujeitas a alterações, por isso é algo que irei revisitar e corrigir sempre que se verifiquem alterações significativas na legislação ou forma de tributação.

Vou passar a utilizar o número 27 ao invés de 25 para calcular o meu valor FIRE. Mantendo os 1000 € por mês programados, preciso então de 324.000 € para garantir que tenho o suficiente para poder pagar anualmente os impostos devidos e mesmo assim ter 1000 € líquidos por mês.

Este aumento não afeta significativamente o meu plano e é absolutamente essencial para evitar dissabores no futuro. Provavelmente adicionará apenas alguns meses à minha jornada e noites bem mais tranquilas à minha vida de reformada 😜

Incluis os impostos no teu plano?

Conta-me nos comentários como fazes a gestão de toda esta parte fiscal 👇

BONS INVESTIMENTOS!

Disclaimer: A autora do blog Dama de Ouros não fornece recomendações ou aconselhamento financeiro. Todo o conteúdo presente neste blog tem apenas fins informativos e educacionais, sendo qualquer decisão de investimento da responsabilidade do leitor.

14 thoughts on “Impostos e Independência Financeira

  1. Olá, se optarmos pelo englobamento temos que contar ainda com as deduções à coleta nos cálculos. No exemplo que deste, caso as deduções à coleta sejam 870€, o valor a pagar de IRS será zero. Cumprimentos

  2. Olá
    Para além dos impostos não é igualmente importante entrar em linha de conta com a inflação ? Em termos médios tem sido aproximadamente 2% desde a introdução do euro. A 10 ano talvez não seja muito dramático. Mas a 20 já acrescenta bastante ao valor para FIRE

      1. Cotudo, devemos calcular as nossas despesas futuras e não as actuais certo? Isto é, os 1000 euros hoje não vão dar para comprar as mesmas coisas daqui por 10 anos, daí que vou precisar de 1000 mais a soma da inflação à data da reforma.

  3. Olá!
    Se tivermos em conta este artigo sobre impostos, o teu valor FI é de 324 000€. Mas num artigo anterior onde falas do Yield shield e cash cushion, o teu valor FI é de 324 000€ também! É coincidência? 😀
    Mas imagina que o valor FI tendo em conta os impostos é inferior ao valor FI com as estratégias de proteção… Qual seria o valor FI correto a seguir? O de maior valor?

    1. Olá Raquel!

      Foi coincidência, mesmo 😜
      Quando fiz a análise do artigo Fire pessimista não tive em consideração impostos.

      O melhor é mesmo considerar o valor FIRE tendo em conta impostos e depois adicionar ainda o cash cushion. O valor será certamente superior a ambos os valores calculados!
      Vou fazer essa análise e partilho 🙂

  4. Olá! Quando neste artigo referes que vais usar 50% do rendimento mensal proveniente do capital acumulado, significa que irás usar 6000 por ano provenientes de 150.000,00 € (metade do valor FIRE) ou seja este valor vai esgotar-se em 25 anos….gostava de entender melhor a parte da utilização da capital investido. Obrigado.

  5. Alô, desculpa, não entendi, de forma prática como pensas realmente fazer uso do dinheiro quando atingires o FIRE. Falas em percentagens . Mas não entendi muito bem.

    Se ele está investido, como pensas em retirar ?

    Gosto bastante dos teus exemplos práticos. Mas neste caso, falando em percentagens não consigo perceber. Como será o procedimento então?

    Obrigado!

  6. Olá,

    Muito obrigada por esse post! A situação dos impostos é uma dúvida muito grande que eu tenho quanto aos investimentos.

    Só para ter certeza que eu entendi: os impostos só serão pagos e declarados no IR quando começar a retirar o dinheiro investido (pela vendas das açoes e ETFs)?

    Durante a jornada FIRE, quando o dinheiro está apenas investido, não é necessário declarar no IR ou pagar qualquer imposto sobre ele, certo?

    Obrigada pelos esclarecimentos e por compartilhar essa sua jornada conosco!

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