Em 2021 publiquei um artigo sobre os impostos e a independência financeira. Tendo em conta que a regra dos 4%, com origem no Trinity Study, não tem em consideração os impostos que serão pagos durante a fase da reforma antecipada, como podemos salvaguardar esta parte do plano?
Nas minhas contas, não o considero. Há demasiadas variáveis que estão fora do meu controlo:
- Mais valias recebidas: dependendo da estratégia e do retorno dos mercados, as mais valias podem ser iguais ao valor de despesas ou consideravelmente inferiores;
- Alterações na legislação: a jornada FIRE é longa e não podemos antecipar as alterações que irão ocorrer a nível da tributação.
Isto não implica que não deva considerar impostos no meu plano. Devo, sim. Apenas que não fará sentido tentar acertar as contas logo no início da jornada, porque muito poderá mudar até lá.
Quando comecei a minha jornada FIRE, em 2019, tinha duas opções para os meus impostos:
- Pagar a taxa normal, de 28%;
- Englobar com os meus rendimentos e pagar a taxa do escalão em que ficasse em cada ano.
Agora, felizmente, foram introduzidos benefícios de antiguidade na tributação de ativos financeiros. Uma excelente iniciativa para incentivar o investimento de longo prazo, crucial nos dias de hoje tendo em conta a situação das nossas reformas.
Novas taxas de tributação

Vamos a um exemplo para simplificar o que aqui está? Vamos imaginar que temos mais valias de 12.000€ por ano (as minhas despesas no FIRE).
Período | % Tributada | Valor tributado (€) | Imposto (€) | % Taxa efetiva |
---|---|---|---|---|
2 ou – | 100% | 12.000 | 3.360 | 28% |
+2 e -5 | 90% | 10.800 | 3.024 | 25,2% |
+5 e -8 | 80% | 9.600 | 2.688 | 22,4% |
8 ou + | 70% | 8.400 | 2352 | 19,6% |
Neste cenário, podemos poupar 336€ em impostos caso os ativos vendidos tenham antiguidade entre 2 e 5 anos, 672€ caso os tenhamos há até 8 anos e 1008€ caso estejam na nossa carteira há mais que 8 anos.
Regra dos 72
Já tinha referido isto no artigo de 2021, mas reforço aqui porque nunca é demais lembrar: os impostos que pagamos são única exclusivamente aplicados às mais valias, nunca ao capital investido.
Se o plano contempla utilizar mais-valias da venda de ETFs como fonte de rendimento no FIRE e se pretende ter 1000€ líquidos por mês, é errado assumir que os impostos a pagar serão Taxa efetiva*1000 = 280€, porque nestes 1000€ estarão incluídos tanto as mais valias como as poupanças que investimos ao longo dos anos.
Este cálculo direto só faz sentido se 100% dos rendimentos forem dividendos e juros, por exemplo. Nesse caso, todos os nossos rendimentos são mais-valias e o cálculo é simplificado.
Mas então como sabemos o valor de mais valias que teremos daqui a 10 ou 20 anos para podermos calcular os impostos? Não sabemos, porque o retorno não é garantido 🙃.
O que podemos fazer é estimar um valor com base na taxa de retorno que usamos nas restantes simulações da jornada para a independência financeira. No meu caso, a taxa de retorno considerada é de 7,3%.
A regra dos 72 é mais uma “rule of thumb” bastante útil em certas ocasiões: esta é uma delas.

Isto significa que um investimento com retorno anual médio de 7,3% demora cerca de 10 anos a duplicar.
Acontece que o meu prazo para atingir o FIRE é precisamente 10 anos, por isso vou assumir que, quando atingir o FIRE e começar a usar os meus investimentos como única fonte de rendimento, a distribuição será:
- 50% valor poupado
- 50% mais-valias obtidas
Isto é: dos 12.000 € que prevejo gastar anualmente, 6000€ serão capital poupado e 6000 € serão mais valias dos investimentos.
Apenas a última parcela, 6000 €, será sujeita a aplicação de impostos.
Englobar ou não englobar
A declaração de IRS tem várias categorias de rendimentos:
- Categoria A: Rendimentos de trabalho dependente
- Categoria B: Rendimentos empresariais e profissionais
- Categoria E: Rendimentos de capitais
- Categoria F: Rendimentos prediais
- Categoria G: Rendimentos de mais valias
- Categoria H: Rendimentos de pensões
Enquanto que para os rendimentos do trabalho por conta de outrem o cálculo do imposto a pagar é feito automaticamente através dos valores tabelados, para os rendimentos provenientes dos investimentos o processo é diferente.

Apesar de as mais-valias detidas por longos períodos terem agora taxas mais simpáticas, continua a ser necessária a simulação do cenário de englobamento de rendimentos, uma vez que pode ser ainda mais vantajoso.
Nesse caso, todos os rendimentos são somados e tributados conforme os escalões da tabela da categoria A (ver acima).
Nota importante: Se optarmos pelo englobamento, temos de incluir todos os rendimentos nesta forma (categorias E, F e G). Por exemplo: não é possível englobar juros de depósitos a prazo e não englobar rendimentos prediais. No caso de optar pelo englobamento, é necessário incluir informação relativamente às eventuais retenções na fonte já realizadas para que seja efetuado o devido acerto.
Voltemos ao meu exemplo, em que o rendimento coletável é de 6000€ (enquadra-se na primeira linha da tabela atual de tributação). As duas opções de tributação e respetivos impostos a pagar são:
- Taxa efetiva (detido há mais de 8 anos): 6000€ * 19,6% = 1176€
- Englobamento: 6000€ * 13% = 780€
Nesta situação, em que os únicos rendimentos são provenientes da venda de ETFs de acumulação porque já não há rendimentos de salários, compensa claramente englobar rendimentos.
Uma vez que apenas 6000€ são sujeitos a tributação ficamos sujeitos à taxa mínima aplicável, que neste momento é de 13%. Até aos 11.623€ de rendimento colectável compensa o englobamento, uma vez que a taxa (16,5%) é inferior à efetiva mesmo para longo prazo, de 19,6%.
Como calcular o valor FIRE tendo em conta os impostos?
Segui a minha receita para o FIRE e determinei que o meu valor de independência é de 300.000 €, para poder gastar 12.000 € por ano durante toda a reforma (ajustados à inflação).

No entanto, como calculado anteriormente, há impostos que terão de ser pagos anualmente. Mesmo optimizando a fiscalidade optando pelo englobamento, esta despesa representa 6,5% (780€) do orçamento anual programado.
Os 1000 € brutos por mês são, neste cenário, 935€ líquidos.
Mas então como posso calcular o valor FIRE para ter a certeza que tenho 1000 € líquidos por mês?
Eu fiz as contas utilizando a ferramenta Solver do Excel. Esta permitiu calcular o valor bruto necessário para obter um valor líquido mensal de 1000 € na reforma.
Às taxas atuais, considerando englobamento por ser mais vantajoso, o valor bruto anual necessário é 12.834 €. Assim, o valor FIRE para garantir os 1000 € líquidos + valor a pagar em impostos é de 320.856€.
Fiz a mesma simulação para vários valores de rendimento líquido mensal e a conclusão foi: quanto maior o valor mensal desejado na reforma, maior o impacto dos impostos no valor líquido final FIRE.
A diferença entre o valor FIRE calculado pela regra dos 4% e o da simulação com impostos é de “apenas” 19.500€ para despesas de 1000€, mas passa a 65.188€ para uma reforma de 2000€.
Com base nas taxas atuais de tributação e todos os pressupostos previamente apresentados, atualizei o fator de multiplicação do FIRE de 300 para:
Valor líquido mensal desejado | Fator de multiplicação FIRE |
---|---|
1000€ | 320 |
1500€ | 327 |
2000€ – infinito | 333 |
Assim, se quero 1000€ líquidos por mês o meu valor FIRE é 320.000€ (1000€ * 320).
Se, por outro lado, pretender um rendimento de 1500€ o valor FIRE é 490.500€ (1500€ * 327).
Para obter 2000€ líquidos por mês o valor FIRE é 666.000€ (2000 € * 333).
Não esquecer que esta simulação é para um cenário em que o rendimento colectável é 50% dos rendimentos totais usados no FIRE. Se esta percentagem for diferente o valor sobre o qual se pagarão impostos será também diferente. Não estão a ser consideradas as deduções à coleta, que poderão reduzir ou eliminar o imposto a pagar.
A minha conclusão
Todas as taxas são sujeitas a alterações. Resta-nos estar atentos à legislação e revisitar e corrigir o plano sempre que se verifiquem alterações significativas na forma de tributação.
Na prática, quando o FIRE implica a venda de ativos acumulativos, não há grandes diferenças para valores baixos de despesas, uma vez que continua a compensar englobar rendimentos e pagar a taxa do escalão das categorias A e B.
Isto comprova que os impostos não afetam de forma muito significativa o plano FIRE, mas é essencial calcular e confirmar valores para evitar dissabores no futuro. Provavelmente adicionará apenas alguns meses à jornada, mas garante noites bem mais tranquilas à vida de reformados 😜
Incluis os impostos no teu plano?
Conta-me nos comentários como fazes a gestão de toda esta parte fiscal 👇
BONS INVESTIMENTOS!
Disclaimer: A autora do blog Dama de Ouros não fornece recomendações ou aconselhamento financeiro. Todo o conteúdo presente neste blog tem apenas fins informativos e educacionais, sendo qualquer decisão de investimento da responsabilidade do leitor.
Boa tarde. O teu artigo não menciona (ou não conta) com a Portaria n.º 340/2023, de 8 de novembro, que atualiza os valores de aquisição dos ativos (ações e etfs) em função do ano da compra. Na minha perspetiva o valor a aplicar sobre as mais valias a tributar é inferior aquele que estás a mencionar. Na venda dos ativos o fisco considera a metodologia do FIFO. De resto, excelente reflexão!
Olá!
Verdade, essa portaria é assunto para outro artigo eheh
O método FIFO é considerado neste artigo, daí os 50% de mais-valias. Este post era simplesmente a atualização do que escrevi em 2021, uma vez que as regras de tributação e tabelas de IRS mudaram. 😁